quarta-feira, 18 de julho de 2012

O REI DO LEITE



O REI DO LEITE
Revista Globo Rural, Ano 26, Ed. n° 302, Dezembro 2010

As lições de sucesso de Olavo Barbosa, o maior produtor do Brasil. Dono da Fazenda São José, em Tapiratiba, SP, e da marca Fazenda Bela Vista, ele tira 65 mil litros por dia e quer chegar a 90 mil.


Fábrica de Leite.
Fazenda São José, de Tapiratiba, SP, uma das precursoras do agronegócio no país, produz 65 mil litros por dia e acaba de ser premiada com o Balde de Ouro da pecuária.

O pecuarista está de pé numa sala do prédio que abriga a ala administrativa da Fazenda São José, em Tapiratiba, cidade do sudeste de SP, na divisa com a mineira Guaxupé. À sua frente, separados por paredes de vidro, têm-se a visão panorâmica dos gigantescos e modernos galpões de aço cobertos onde as vacas são ordenhadas mecanicamente. Elas produzem 65 mil litros de leite ao dia, maior volume do Brasil. Atrás, e também ao alcance da vista do fazendeiro, está o laticínio no qual são fabricados derivados como iogurtes e queijos e envasada uma renomada marca de leite tipo A, a Fazenda Bela Vista. Orostrato Olavo Silva Barbosa, mais conhecido pela junção do segundo nome com o sobrenome - Olavo Barbosa -, foi reeleito o maior e melhor produtor de leite do país, ganhando o troféu Balde de Ouro, que foi entregue no mês passado na Feileite (Feira Internacional da Cadeia Produtiva de Leite), realizada na capital paulista. Ele completou 87 anos e, excluindo dez de trabalho como empregado numa empresa exportadora de café na década de 1940 do século passado, em Guaxupé, onde nasceu, 71 anos são dedicados “aos altos e baixos” da pecuária. Olavo, tido por especialistas como um dos precursores do agronegócio de leite no Brasil, recebeu a reportagem na fazenda, no dia 19 do mês passado, na companhia do neto, Sergio, de 34 anos, diretor da empresa e seu sucessor na condução da propriedade e dos negócios.

A memória estava afiada. Ele discorreu sobre as dificuldades nos primeiros anos de atividade, quando, com gado gir “pé-duro” e ordenha manual, produzia apenas 70 litros ao dia; as viagens aos Estados Unidos e Europa em busca de novas tecnologias; as importações de vacas de alta lactação em aviões fretados e lotados ; a construção de estábulos e silos cada vez maiores e melhor adaptados; enfim, sobre sua epopéia de homem de origem simples ao hoje produtor de quase 2 milhões de litros de leite ao mês; tudo vinha à tona em detalhes. Ao final da prosa, Olavo desceu as escadas e se encaminhou ao galpão para a sessão de fotos ao lado das férteis vacas da raça holandesa. Ali estava em casa. À vontade, mostrou o porquê de ser considerado número 1 e, generoso, concordou em dar dicas aos iniciantes. “A pecuária de leite é cheia d momentos de crise e momentos bons, o que nos obriga a manter sempre o pé no chão. Muito capital não é sinônimo de êxito. Para vencer na atividade, é fundamental o aprendizado diário. Estar perto dos animais e ouvir os funcionários. Junto à dedicação extrema, são partes dos meus segredos.”

O protagonista da novela O rei do gado, da TV Globo, inspirou-se em Olavo para compor seu personagem.

Para compreender o dia a dia na Fazenda São José e os fatores – tecnologia, manejo, comida, genética, “dedicação” – que lhe garantiram a liderança do Balde de Ouro, é necessário deixar de lado referências acerca da produção média da pecuária brasileira. Todos os números são superlativos na São José. Causam impacto. Os 65 mil litros de leite produzidos a cada dia são extraídos de 2430 vacas holandesas em lactação, o que dá uma média de 26 litros por cabeça – para ter idéia a média do país fica em torno de cinco litros ao dia. O rebanho total da São José é de 6 mil cabeças, compreendendo bezerros, novilhas, vacas secas, etc. Todo esse gado consome 135 toneladas de comida por dia (silagem de milho, pré-secado e feno de tifton, milho, farelo de soja, etc.) e bebe ao redor de 900 mil litros de água, quantidade superior a de muitas cidades pequenas. Olavo Barbosa, que entregava o leite à indústria no ano em que iniciou a atividade – 1960, antes ele ajudava o pai na exploração do café com leite -, passou a pasteurizar e envasar na década de 1980, agregando valor. Surgiu então o leite Fazenda Bela Vista – em garrafa plástica, quando os leites pasteurizados eram vendidos em saquinhos, e cujos 50 a 55 mil litros ao dia são distribuídos hoje principalmente na Grande São Paulo. Onde a empresa tem seu entreposto particular, e em outras regiões.

No total são feitas 2 mil entregas diárias. Dá 60 mil entregas ao mês em frota própria. Foi em 2005 que teve início o processo de fabricação do queijo parmesão, minas frescal, ricota, requeijão e iogurtes. “Destinamos de 10 mil a 15 mil litros de leite ao dia para os derivados. Assim, fechamos o ciclo, e toda a litragem é industrializada aqui mesmo”, informa o neto e agrônomo Sergio Ferraz Ribeiro Filho. Ele “traz no sangue meu amor e a dedicação ao leite”, afirma Olavo. Segundo Sergio, não fossem a agregação de valor e a escala, a São José trabalharia no vermelho. “Os custos são altos. Uma vaca bebe 120 litros de água ao dia e come 38 a 40 quilos de volumoso e concentrado para produzir 25 litros de leite.” Ele diz que vende o litro de leite a 2,20 reais e que os custos são altos”. Afora os derivados, comercializamos animais em leilões.” Sergio administra a fazenda junto com o avô e o veterinário Mauro Ribeiro de 56 anos, que é diretor pecuário (sua carteira de trabalho registra 31 anos na São José).

A São José tem área de 3 mil hectares, explorados com pecuária leiteira e com plantação de café.

Olavo Barbosa conta que o projeto ganhou dimensão gigante e escala a partir de 1987, quando passou a funcionar o sistema free stall, que demorou quatro anos para ser instalado e foi o primeiro do país. “Era e continua sendo a última palavra em se tratando de tecnologia”, diz. Nesse sistema, que Olavo conheceu na Califórnia, Estados Unidos, onde era usado pelas grandes propriedades leiteiras, e pelo qual desembolsou 2 milhões de reais, as vacas são inteiramente confinadas. “O free stall exige que se trabalhe com fêmeas de alta genética. Aqui o rebanho é 85% de holandês PO (puro de origem) e 15% PC (puro por cruza)”, explica Olavo. Como a proposta era fazer volume, ele trouxe dos EUA na ocasião embiões, sêmen e 300 novilhas holandesas. Foi ainda à Castrolanda, em Castro, buscar a boa genética do Paraná.

As salas de ordenha são inteiramente informatizadas, fabricadas em aço inox e capazes de ordenhar, cada uma, 50 vacas por vez, ou 275 animais por hora. Impressiona. Em número total de 13 galpões, os free stalls (baias livres) têm capacidade para 3 mil vacas. “A mudança significou um salto na produção de leite de 12 mil para 20 mil litros em um curto espaço de tempo, visto que houve uma remodelação total no manejo, com as fêmeas sendo transferidas do sistema de pastejo rotacionado, praticado até então, para o confinamento absoluto, comendo no cocho o ano inteiro”, diz Olavo.

E a São José cultiva meta de incrementar a produção. “A intenção é saltar dos 65 mil para os 90 mil litros de leite ao dia, com 3 mil fêmeas em lactação, e ocupar toda a capacidade dos free stalls”, informa Sergio Ribeiro. Nessa trilha, Sergio adianta que de 1990 para cá o rebanho foi sendo “fechado”, ou seja, só incorporava crias da fazenda. Além disso, com o passar do tempo, aumenta o número de crias puras, pois as vacas PO são em maior quantidade e as PC vão sendo afastadas.

A fazenda faz inseminação artificial e transferência de embrião há décadas, e Sergio lembra que, há apenas cinco anos o rebanho era 60% PO e 40% PC. Também há meia década eram efetuadas duas ordenhas ao dia – na comparação com as três atuais. “Meu avô nunca vendeu fêmeas visando o aprimoramento do plantel, ao incremento na produção e à alta qualidade do leite.” A reposição gira em torno de 25% a 30% ao ano, e todo o rebanho é renovado a cada três ou quatro anos, num ritmo acelerado.

A fazenda possui área de pouco mais de 3 mil hectares, sendo 700 ocupados pela plantação de milho e silagem e 240 pela grama tifton, que entra numa porcentagem de 30% da dieta como feno e pré-secado. A tifton facilita a ruminação do animal e previne contra distúrbios metabólicos. Tem ainda uma fábrica de ração com estoque de 53 mil sacas de milho - o gado come de 80 mil a 100 mil sacas ao ano. Verdadeira indústria a funcionar dia e noite num ritmo febril, a reserva de comida é para seis meses. Já com o gado são usados 1.400 hectares, entre 200 piquetes e outras instalações, com o galpão maternidade, onde os funcionários cercam o bezerrinho de cuidados antes mesmo do nascimento. As gestantes são isoladas a cinco dias da parição, e os trabalhadores ficam em vigia permanente durante 24 horas. Às primeiras contrações, as fêmeas são transferidas para uma baia individual onde dão à luz. São entre 250 e 400 partos por mês, em média, informa Sergio. Segundo ele, após nascer, a cria permanece com a mãe por 12 horas, e nesse período a primeira mamada é de um colostro especial de muita qualidade e que é congelado e pasteurizado; “Garante imunidade alta.” Separado da mãe, o filhote é encaminhado a um bezerreiro individual. E a dieta é reforçada à base de cinco litros de leite ao dia, ração peletizada e água. Aos 60 dias de vida, entram no bezerreiro coletivo agrupados com outros 22 a 25. ”É um local amplo. Suas instalações são funcionais, os corredores facilitam a limpeza, e os animais têm espaço”, explica o agrônomo. Nessa idade, a bezerrada começa a comer feno de tifton à vontade e palha de arroz é empregada como cama. Depois de 180 dias, esses animais - eram 400 no mês passado - saem dos piquetes e passam a comer no cocho. As fêmeas vão para a cria, e os machos são abatidos. Já com 330 quilos entre 13 a 14 meses de idade, elas são inseminadas. “A maturidade sexual é atingida cedo”, afirma Sergio. Numa área de 500 hectares, é plantado café para exportação. Leite e café são as paixões de Olavo Barbosa. Em 1970, ele fundou a Exportadora de Café Guaxupé e, junto com sua família, possui dez fazendas cafeeiras. Agrega ainda produtos como suco de laranja Bela Vista, que é muito conhecido.

O holandês PO (puro de origem) representa 85% do plantel, enquanto os 15% restantes são PC (puro por cruza).

Outra novidade na Fazenda São José é o funcionamento intercalado de ventiladores e aspersores nos estábulos, descoberta que proporciona bem-estar ao animal. Por 30 segundos, os aspersores nos estábulos, despejam um bico grosso de 1,5 litro de água em cada vaca. Na seqüência, os ventiladores são acionados nos costados das fêmeas por igual tempo. “Elas são refrescadas, e o stresse térmico diminui. A vaca holandesa não gosta do calor intenso”, explica Sergio. O ”refresco” é proporcionado a cada 15 minutos. Segundo o agrônomo, o foco na qualidade máxima levou a São José a adquirir um laboratório de células somáticas já há 12 anos. O aumento de células somáticas no sangue indica a presença da doença chamada mastite, que é um processo inflamatório no úbere das vacas bastante temido pelos fazendeiros. Sergio diz que há anos a São José efetiva ações envolvidas para a preservação do meio ambiente. As 40 toneladas diárias de esterco produzidas pelo dejeto dos animais, por exemplo, são decantadas em tanques que reaproveitam também 1 milhão de litros de água. A parte líquida formada vai fertirrigar, por meio de pivôs centrais, as lavouras de milho. ” O Rio Guaxupé, que passa pela propriedade, fica protegido dos dejetos”, afirma Sergio.

Para o veterinário Mauro Ribeiro, foi também a verticalização do agronegócio leite que fez a marca a levar o Balde de Ouro. ”É o diferencial da São José. Aqui mesmo se produz a alimento do gado e são feitos os acasalamentos para a melhoria genética. O leite é industrializado e até as embalagens, biodegradáveis, são confecções próprias. Finalmente, a fazenda coloca todos os seus produtos diretamente na mesa do consumidor e com bastante qualidade.” É o agronegócio em funcionamento pleno, diz.

Texto: Sebastião Nascimento
Fotos: Rogério Cassimiro

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